𝗔 𝗰𝗮𝗿𝗻𝗲 𝗲́ 𝗳𝗿𝗮𝗰𝗮 𝗺𝗮𝗶𝘀 𝗼 𝗲𝘀𝗽𝗶́𝗿𝗶𝘁𝗼 𝗲́ 𝗳𝗼𝗿𝘁𝗲...
A questão central sobre o socialismo no pós-guerra, especialmente no que diz respeito aos regimes totalitários de Stalin, Mao Tsé-Tung, Fidel Castro e outros países do chamado bloco socialista durante a Guerra Fria, é que a obra de Marx e Engels é muito mais ampla, profunda e complexa do que os regimes que alegaram representá-la.
Não se pode comparar o socialismo do século XX e XXI com as ações dos sindicatos e da Internacional Comunista no século XIX. A partir do momento em que governos autodenominados socialistas passaram a controlar os sindicatos no século XX, muitos desses regimes se transformaram em sistemas autoritários e militarizados, cujo objetivo principal era a manutenção do poder. Um exemplo claro é a máxima de Mao: "O poder emana da boca do fuzil", que revela o caráter coercitivo e centralizador desses governos.
Dessa forma, é preciso reconhecer o distanciamento entre os ideais socialistas originais e a prática desses regimes. Trata-se, em grande parte, de um engodo, uma falsa aparência de socialismo. Assim, é incorreto considerar que governos como os de Dilma Rousseff, Lula, Raúl Castro, ou os presidentes da Venezuela e da Bolívia representem de fato o socialismo proposto por Marx e Engels — pois, na prática, operam sob lógicas muito distintas.
A obra de Marx não é “marxista” — é Marx por Marx.
Essa frase pode soar provocadora, mas ela revela uma verdade muitas vezes esquecida ou convenientemente ignorada: Marx jamais pensou o socialismo como um modelo fechado, aplicável em qualquer realidade ou contexto histórico.
Seu pensamento nasceu no coração da Revolução Industrial, no século XIX, enquanto vivia na Inglaterra — uma das sociedades mais industrializadas do mundo à época. E aqui está um ponto-chave: para Marx, o socialismo só poderia surgir como uma etapa posterior ao desenvolvimento pleno do capitalismo industrial, jamais em economias agrárias ou atrasadas.
O erro, portanto, começa quando regimes autoritários, em contextos completamente diferentes — como Rússia, China, Cuba ou mesmo países da América Latina — tentam aplicar suas ideias fora de sua base histórica e material. É como tentar instalar um motor de Fórmula 1 num carro de boi.
Marx não era um dogmático, mas um pensador profundamente comprometido com a “práxis” — a união entre teoria e ação transformadora. Ele acreditava na força dos trabalhadores organizados, na luta dos mais oprimidos pela conquista do poder político e econômico. Não como um golpe ou tomada armada do Estado, mas como o resultado natural da maturação das contradições do capitalismo.
Ele sabia, inclusive, que seria mal interpretado. Previu os sofismas, as distorções, e os rótulos criados para reduzir sua obra a caricaturas ideológicas. O chamado “marxismo”, como se convencionou nomear as várias correntes derivadas de suas ideias, muitas vezes se afasta radicalmente do pensamento original de Marx.
Aqui está a grande verdade que muitos não querem ver: entender Marx exige ir além dos slogans e dos discursos políticos. É preciso lê-lo. Estudá-lo. Interpretá-lo dentro do seu tempo. Só assim é possível perceber que muito do que se fez em seu nome... Marx, com toda certeza, rejeitaria.
Quer entender por que as ideias libertárias ainda hoje causam tanto incômodo às elites?
Antes de rejeitá-las com base em preconceitos ou rótulos vazios, estude e compreenda o que realmente são os ideais do anarquismo, do socialismo e do comunismo.
Essas correntes de pensamento nasceram como formas de resistência à opressão, e têm algo em comum: propõem alternativas a um sistema que concentra riqueza, poder e privilégio nas mãos de poucos.
Não é à toa que essas ideias sempre foram combatidas pelas classes dominantes — pois desafiam diretamente os pilares do capitalismo, como o egocentrismo, a competição desumana e a sacralização da propriedade privada.
Vamos ser diretos: o capitalismo, por sua própria natureza, é excludente.
Ele produz desigualdade estrutural, alimenta o racismo, reforça fronteiras culturais e econômicas (xenofobia) e normaliza a exploração da vida humana. Não se trata de opinião, mas de fatos históricos e sociais.
Pior ainda: o capitalismo impõe a mais perversa das ditaduras — a corrupção moral gerada pelo culto ao dinheiro.
Vivemos a lógica do "dinheiro pelo dinheiro", onde a sobrevivência está acima da dignidade, e o consumo substitui o sentido da vida.
Como bem afirmou Pierre-Joseph Proudhon: “A propriedade é um roubo”.
Esse é o grito de alerta contra um sistema que transforma tudo — inclusive pessoas — em mercadoria.
A propriedade privada, nos moldes capitalistas, exclui e desumaniza, pois é feita para poucos e sustentada pela escassez dos muitos.
Mas há uma saída.
A verdadeira revolução começa quando cortamos a cabeça da serpente que alimenta esse sistema: o consumismo.
Enquanto acreditarmos que nossa identidade depende do que compramos, seremos cúmplices da engrenagem que nos explora.
É tempo de despertar.
De romper com a lógica do "ter para ser" e resgatar o valor do "ser para transformar".
Conhecimento liberta — e conhecer os ideais libertários é o primeiro passo para construir um mundo mais justo, igualitário e verdadeiramente humano.
Conclusão
Em um mundo onde o capital molda consciências, controla desejos e define quem vive com dignidade ou não, compreender e revisitar os ideais libertários torna-se um ato de resistência — e, acima de tudo, de lucidez. Karl Marx já alertava:
“A história de todas as sociedades até hoje é a história das lutas de classes.”
Essa luta, mais do que uma disputa econômica, é uma batalha por humanidade, por sentido, por justiça.
Ao contrário do que os discursos dominantes tentam fazer crer, o socialismo não é a negação da liberdade, mas a tentativa de construí-la fora da lógica da mercadoria. Como bem aponta David Harvey, um dos mais respeitados intérpretes contemporâneos de Marx:
“O problema não é o livre mercado. O problema é um sistema que coloca o lucro acima das necessidades humanas.”
Michael Löwy, por sua vez, nos lembra que o socialismo autêntico não é burocracia de Estado ou culto a líderes autoritários, mas uma proposta de transformação radical baseada na solidariedade, na democracia direta e na superação das opressões estruturais:
“O socialismo, para ser real, precisa ser ecológico, autogestionário e libertário.”
Portanto, diante de um sistema que reduz a vida ao consumo e o ser humano à força de trabalho descartável, torna-se urgente recuperar o espírito revolucionário que moveu Marx, Proudhon, Bakunin e tantos outros. Cortar a cabeça do consumismo é mais do que um símbolo: é uma ruptura com a falsa promessa de liberdade oferecida por um sistema que só entrega dívida, depressão e desigualdade.
A verdadeira liberdade não está nas vitrines, mas na consciência. Não se compra — se conquista. E o primeiro passo é pensar, estudar, organizar e agir.
📚 Referências Bibliográficas
BAKUNIN, Mikhail. Deus e o Estado. São Paulo: Imaginário, 2001.
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo: Boitempo, 2019.
HARVEY, David. O enigma do capital e as crises do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2011.
HARVEY, David. 17 contradições e o fim do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2016.
KROPOTKIN, Piotr. A conquista do pão. São Paulo: Hedra, 2009.
LÖWY, Michael. A teoria da revolução no jovem Marx. São Paulo: Boitempo, 2011.
LÖWY, Michael. Ecossocialismo: a alternativa radical à catástrofe ecológica capitalista. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, 2020.
LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou Revolução? São Paulo: Centauro, 2005.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Boitempo, 2010.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013.
PROUDHON, Pierre-Joseph. O que é a propriedade? São Paulo: Martins Fontes, 2004.
RODRIGUES, Edson Passetti. Anarquismo e filosofia: críticas à dominação. São Paulo: Cortez, 2004.
ZIZEK, Slavoj. Primeiro como tragédia, depois como farsa. São Paulo: Boitempo, 2011.







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