Eleições Ribeirão Preto
Ribeirão Preto: a democracia do favor
É difícil falar de uma cidade onde a política nunca foi construída sobre a base da cidadania, mas sim sobre o alicerce apodrecido do clientelismo e da velha lógica dos coronéis. Ribeirão Preto, a autoproclamada “Califórnia Brasileira”, continua sendo, na essência, um feudo moderno: governada por famílias tradicionais, onde os cargos, as verbas e os votos circulam em nome da troca de favores — não do interesse público.
O passado oligárquico das elites cafeeiras, longe de ser superado, apenas se reinventou. Os mesmos sobrenomes controlam partidos, financiadores e veículos de comunicação. O cenário político de 2016 escancarou essa engrenagem: alianças formadas não em torno de projetos, mas de pactos clientelistas que perpetuam o poder das classes dominantes, ligadas ao agronegócio, à especulação imobiliária e à indústria da cana-de-açúcar.
Aqui, não se disputam ideias, disputam-se currais. Não se fazem políticas públicas, firmam-se contratos eleitorais — entre candidatos e comunidades inteiras transformadas em massa de manobra, cooptadas por promessas vazias, cestas básicas, consultas médicas, vagas em creches, empregos temporários. O eleitor é mantido cativo sob o jugo do favor. O clientelismo é a cola invisível que mantém as estruturas de poder intactas.
E quem se beneficia disso tudo? As mesmas famílias, os mesmos empresários, os mesmos grupos que, há décadas, tratam a cidade como sua propriedade privada. Enquanto isso, saúde, educação, meio ambiente e cultura são relegados à condição de moeda de troca. A cidade padece, mas os donos do poder enriquecem.
O cidadão ribeirão-pretano que olha pela janela e vê a fumaça das queimadas, respira muito mais que fuligem: respira o fracasso de uma cidade que se recusa a romper com sua herança colonial. A região sucroalcooleira, com seus lucros concentrados e prejuízos socializados, simboliza a falência moral e política de uma elite que insiste em decidir os rumos de todos — sem jamais prestar contas.
A mídia regional, amordaçada por interesses publicitários e políticos, participa ativamente dessa engrenagem. Seus “jornalecos” omitem os escândalos, protegem os nomes influentes, vendem versões edulcoradas da realidade. E assim, o clientelismo ganha verniz de gestão eficiente. A corrupção vira “ajuste”. O apadrinhamento, “articulação política”. A compra de votos, “relacionamento com a base”.
E o povo? O povo continua sendo peça descartável no tabuleiro. Ao invés de cidadania, oferece-se o assistencialismo. Ao invés de direitos, distribuem-se favores. A democracia se transforma numa chantagem institucionalizada: você vota em troca de uma promessa — e em quatro anos, pede tudo de novo ao mesmo senhor.
O retrato de 2016 é brutal:
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Um candidato comprometido até a medula com o latifúndio, dependente do financiamento das usinas e do velho poder agrário.
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Outro, herdeiro da política como negócio de família, símbolo do fisiologismo mais cínico: o pai responde, o filho se candidata.
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E o resto... niilismo, descrença e conformismo.
Essa não é uma democracia plena. É uma democracia de fachada, onde se simula liberdade enquanto se compra lealdade com migalhas. É o governo dos bem-nascidos sobre os bem-domados. A manutenção de uma ordem social injusta disfarçada de escolha popular.
Enquanto isso, nos contentamos com o discurso do "cidadão de bem": “eu trabalho, pago minhas contas, não preciso me envolver com política”. Mas esse discurso é a máscara perfeita da alienação. Porque não há neutralidade possível numa cidade onde até o asfalto tem dono e cada voto tem preço.
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