ORIGENS DA CAPOEIRA
As origens mais remotas da luta Capoeira, a capoeiragem, em termos marginalizado pelo opressor, ou Capoeira Primitiva para o oprimido, remonta a nossa história colonial brasileira no período em que foi enraizada com a exploração do trabalho escravo. O sistema escravocrata e a nossa escravidão, no caso brasileiro, foi a que mais perdurou no mundo de 1535 a 1888 (séculos XVI a XIX), 353 anos de exploração escravista, fato que a torna, para alguns como um jogo ou brincadeira que não deve ser praticado por pessoas de bem.
Quando em 1535 os primeiros afrodescendentes foram inseridos no projeto açucareiro da costa nordestina e sudeste do Brasil, sendo uma das nossas heranças coloniais propostas no livro de Sergio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil: é a “herança escravista” do racismo. É justamente esse fator de diferenciação e exclusão que a Capoeira entra como resistência e luta contra o preconceito e a violência do homem branco colonizador contra o negro trazido da África.
Um ser humano feito de escravo e tachado de inferior, mas que tem em sua origem nobreza, alma guerreira e pensamento visionário. Teve que se adptar e sobreviver a violenta, ação colonial no seu continente materno, e que foi retirado do seu berço materno e levado a outro continente estranho e alheio.
Fonte: https://jogodavidaweb.wordpress.com/category/voce-sabia-que/ (acesso 01/05/2023, as 15:29) Punitions Publiques, Johann Moritz Rugendas. “Jogo da Vida”. |
Sobrevivente numa condição sub-humana e cruel, por essa natureza emergente e adversa, criou condições para resistir e superar a tribulação da escravidão, e pós-escravidão. A qual essa herança colonial perdurou até nos tempos atuais e que foi transfigurada numa sociedade excludente e racista. Na verdade o afrobrasileiro nunca foi escravo, porque, na sua luta pela sobrevivência ele sempre superou-se com uma alma e espírito livre. É a luta Capoeira que mais expressa esse sentimento de liberdade e de dignidade humana para superação e sobrevivência diante das adversidades da vida e do cotidiano dentro de um sistema excludente e segregador.
Muitas foram as pesquisas sobre a origem da Capoeira, a pergunta que me faz refletir sobre a questão da Capoeira: qual é a sua associação que muitas pessoas fazem com o candomblé?
Desmistificando, erroneamente, muitas pessoas ligam o fato da Capoeira com a parte esotérica e religiosa da cultura afrobrasileira, principalmente com sincretismo do candomblé, mas não existe nenhuma associação concreta, pois a luta Capoeira não tem raízes no candomblé, mas sim na luta pela sobrevivênia nos centros urbanos e no campo, especialmente nas senzalas. Portanto, associar a Capoeira com os ritos do Candomblé, porque nem todos os alunos são iniciados dentro desse sincretismo, é um erro, não existe elo.
Decânio retrata no seu livro, sobre o sincretismo na origem da Capoeira, depois de muita analogia e conversas com antigos capoeiras e “papas” da Capoeira, ou seja, as maiores autoridades do assunto, estudando os ritmos de candomblé, percebeu que o ritmo básico de Logunedé, toque básico chamado Ixejá. Toque esse que podemos encontramos como base na influência da Cultura Nacional, como por exemplo na Música Popular Brasileira (MPB), no axé-music, no maculelê, na puxada-de-rede e no samba de roda.
Mas isso não quer dizer que nos remeta a um sentido religioso, mas culturalmente o toque e o ritmo faz parte da Cultura Brasileira. Refutando esse pensamento que o sincretismo e a religião está associada com a Capoeira o que é um engodo. Pois, a capoeira não tem relação alguma com religião ou mesmo com qualquer forma de sincretismo religioso.
Mestre Bimba insenta a Capoeira Regional de religião ou sincretismo religioso. Ele criou uma mentalidade insenta de preconceitos e isso lhe rendeu críticas de alguns capoeiristas que o acusavam de embranquecer a Capoeira. É que na verdade, Mestre Bimba enegreceu a sociedade com essa atitude valorizando a cultura afrobrasileira, principalmente, inserindo a Capoeira moderna na sociedade branca da Bahia, respeitando a diversidade etnico-cultural das pessoas. Ele abriu espaço a todos, não limitando-se somente para as pessoas ligadas a religião e do sincretismo das matrizes africanas. Mas para toda sociedade baiana, incluindo brancos, estudantes, trabalhadores e mulheres (que eram discriminadas naquela época). Essa atitude pioneira e visão para aquele contexto de época, foi de um brilhantismo e genialidade sem precedentes, um ato de ousadia e luta contra o proconceito. Portanto, Mestre Bimba, deu uma nova conotação elevando a capoeira para um patamar privilegiado, uma capoeira mais moderna, evoluída com princípios, fundamentos e tradições enegrecendo a sociedade baiana. Bimba contribui para a valorização e a visibilidade da luta Capoeira que era discriminada na época da década de 30. Foi responsável por tirar a capoeira da ilegalidade e da marginalização a projetando para a Bahia e o mundo.
Para tentar encontrar rastros da luta Capoeira na África o Prof. Dr. Edson Carneiro confirmou a presença do berimbau (instrumento utilizado na capoeira, composto de vara de madeira, uma cabaça cortada, pedaço de arame e o caxixi, com um vareta ou batuta, pedra cascalho ou um dobrão, moeda de cobre. A qual produz um toque de som monocórdico); mas em sua busca pela luta não encontrou a Capoeira fora do Brasil.
Um outro dos alunos de Mestre Bimba, chamado Jesus, capoerista, em viagem a África, tentou encontrar a luta e, ou qualquer vestígio da capoeira em Angola, encontrou também o berimbau. E o pandeiro e a viola, a chula, o samba de roda e o candomblé, mas a ausência de Capoeira em Angola era nítida.
Até mesmo, o famoso Mestre Pastinha, em viagem a Angola, não encontrou a Capoeira, fato esse que nos remete a pensarmos e a concluírmos a brasilidade da luta ter nascido aqui em nosso país.
A força das tradições africanas e a sua oralidade, e a capacidade de sobreviver a hegemonia e aculturação branca através da dissimulação, que fez forte a sua persistência de uma filosofia ancestral que atravessou a violência colonialista e do escravismo. Esse fato de resistência, com certeza favorece o fortalecimento da capoeira.
E que deixou como herença depois de anos de diásporas a cultura, religião e língua mãe, segundo de Dr. Decânio a Capoeira não desapareceu da África, ela nunca existiu naquele continente, foi procurado em outros países dentro da América, onde se vê a presença de afroamericanos e também não foi encontrada algo similar com a Capoeira brasileira.
Mas podemos falar que encontramos outros traços da cultura africana como o candomblé na maioria dos países latino-americanos, mas nenhuma dança, ou luta similares a Capoeira, portanto, a Capoeira é originalmente nacional e brasileira.
Fatumbí Verger (Decânio, 1997, p.35-46), não detectou a Capoeira nem em referência da tradição oral africana na Angola nem do berimbau, mas foi no Zaire, no antigo Congo-Belga, área geograficamente com uma distância culturalmente razoável da região dos povos bantos. Povos esses que divergem em cultura, e, tornam-se inimigos dentro da África. E se encontram e tornam-se irmãos dentro do Novo Continente, pelo sofrimento e uma escravidão compartilhada. Segundo Verger:
“...o toque da capoiera, união dum ritmo ijexá a um instrumento musical banto, portanto, só pode ter sido gerado, em presença dos elementos primários, o que não foi possível na África, dado distanciamento, cultural e espacial das duas nações!” (Decânio, 1997, p.35).
Foi a Bahia, o palco do encontro desses povos distantes pela cultura e espaço geográfico, mas unidos no Brasil, de inimigo comum a união pacífica de uma escravidão e sofrimento vivenciados e que faz suas divergências se apaziguarem. Ao qual se uniram nos guetos e nas senzalas e compartilharam seus hábitos e costumes, o Recôncavo Baiano foi o “cadinho” que fundiu a liturgia musical que uniu os dois povos na alegria da Capoeira (Decânio, 1997, p.36).
Tenho a plena certeza que a luta Capoeira nasce nas senzalas e nos campos agrícolas, ao qual desde o ínicio ela foi dissimulada em danças e acrobacias para ser disfarçada, escondida dos feitores e senhores que estavam interessados na lucratividade do trabalho rural e sua produção.
Fonte: https://jogodavidaweb.wordpress.com/category/voce-sabia-que/ (acesso 01/05/2023) Gravura: “Negroes fighting. Brazils” (Negros combatendo. Brasils), Augustus Earle. London,1824 |
Mestre Bimba, criou a primeira academia de capoeira em Salvador, até então, a capoeira era uma luta que se praticava nas matas e nas ruas, em ambientes abertos, fora da sala de aula, ou da academia. Nome era só Capoeira, na sua fase mais primitiva e inicial, era ensinada pela oralidade, próprio da cultura africana, ou seja, a capoeira era vivenciada, não existia nenhuma aula de capoeira. O que existiam eram ambientes, locais aonde se encontravam esses mestres de cultura popular que lideravam as rodas de capoeira. E por ser proíbida, e marginalizada, muitas vezes praticada na ilegalidade da época, de uma forma as vezes dissimulada, para não atrair a atenção das autoridades policiais da época.
Na história do Brasil, principalmente na região do Nordeste, em Salvador (BA), surge a figura marginalizada do “capadócio”: o desordeiro, o patife e petulante, eram apenas sinônimos pejorativos para o capoeira. Encontramos aqui nossa mais antiga referência a esse nome para a região de Salvador, registrado apenas no final do século XIX. Podemos remontar e com toda clareza que no seu princípio a capoeira não estava organizada em estilos ou escolas, mas em vivências em ambientes, que poderiam acontecer numa praça ou numa mata, ou até, no meio da rua. Mesmo o termo Capoeira, controvérsio, em muitos sentidos: mato rasteiro; mato fino que cresceu onde foi derrubada a mata virgem; ou ainda, mata que se corta ou derruba para lenha ou outros fins.
Já a Capoeira Angola nasce em um contexto emergencial, pois foi organizada por Mestre Pastinha, Vicente Ferreira Pastinha, que teve a missão de devolver a ela seu valor e visibilidade, enfraquecidas pela emergência e a rápida popularização da Capoeira Regional de Mestre Bimba. A organização da Capoeira Angola começou em torno roda de capoeira da praça Gengibirra (Jenjibirra), Pastinha foi convidado por seu antigo aluno, Raimundo Aberrê, a assisti-lo na roda de capoeira da Gengibirra.
De acordo com o próprio Pastinha, lhe aguardava uma surpresa. Os mestres Amorzinho e Antônio Maré incumbiram à Pastinha a missão de organizar a Capoeira Angola e de devolver a ela seu valor e visibilidade, enfraquecidas pela emergência e popularização da Capoeira Regional, Mestre Pastinha funda o Centro Esportivo Capoeira Angola (CECA), localizado no Largo do Cruzeiro de São Francisco, a primeira escola de Capoeira Angola. Em sua academia, Pastinha adotou um uniforme com as cores de seu time do coração, onde treinou quando rapaz, o preto e o amarelo do Esporte Clube Ypiranga.
Em 1952, o CECA foi oficializado e três anos depois sua sede muda para seu endereço mais famoso: o casarão da Praça do Pelourinho, nº 19. Neste período, Pastinha já estava com 66 anos de idade. Ou seja, a organização da Capeoira Angola foi posterior a Capoeira Regional de Mestre Bimba.
A forma acadêmica da Regional criada por Mestre Bimba, o estilo Bimba, qual encontramos a voz dos alunos de Bimba, estudantes orgulhosos, em se declararem herdeiros da Regional e que se diferenciavam dos angoleiros. Que se gabavam e se aproveitavam da igenuidade dos irmãos mais populares da angola, usando de técnica e melhor qualificação para mostrar maior destreza no estilo regional face a angola. O que fechou a roda fragmentando ainda mais os dois estilos que se ramificariam, mas capoeira é uma só.
O próprio Mestre Bimba, segundo Mestre Nenel declara que:
“ Meu pai dizia que começou [Capoeira] dentro dos matos com os negros fugidos da senzala, pois essa era uma das formas deles se defenderem dos capitães dos matos com cabeçadas, socos, pontapés, e principalmente, rabo de arraia” (Nenel, p.40).
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Rugendasroda.jpg (acesso 01/05/2023, as 15:47) Johann Moritz Rugendas: "Jogar Capoëra - Danse de la guerre" |
De acordo com relatos Mestre Bimba iniciou a sua vida na vadiação na Capoeira, 12 anos como capoeira juntamente com os angoleiros (se assim podemos chamá-los) nas rodas de Salvador. O próprio Mestre Nenel- filho de Mestre Bimba- esclarece essa questão sobre Bimba ter sido angoleiro, assim ilucida Mestre Nenel, no seu livro Bimba: um século da Capoeira Regional:
“Se considerarmos que a Capoeira Primitiva é reconhecida como o nome Angola, aí não tem como fugir, ele foi angoleiro! Mas se pararmos para pensar que esses nomes e definições foram firmados bem depois, quando já existia a Regional, não faz sentido algum pensar assim” (Nenel, 2018).
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