CAPOEIRA
REGIONAL E SUAS GRADUAÇÕES, A MUSICALIDADE E OS PRINCÍPIOS
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Dr. da Regional Mestre Bimba- Manuel dos Reis Machado |
Dentro
da metodologia da capoeira temos um processo de aprendizado que vai aumentando
e amadurecendo o nível de execução e perícia dos movimentos: golpes e
contragolpes naturais dentro da Regional, mas que requer treino, disciplina e
estudo diário. Temos também a educação musical e o seu aprimoramento ao longo
da vivência escolar, sempre dentro dos princípios e tradições típicos da
Regional.
Movimentos
mais evoluídos, que são para alunos mais graduados, como os ligados, são
um caso a parte, poque são movimentos que além dos balões tem como objetivos: a
defesa de armas, imobilizações e alguns movimentos que são perigosos que causam
fraturas e lesões corporais. São movimentos utilizados no curso avançados de
especialização e que não são utilizados dentro da roda, mas ensinados no
contexto exclusivo da especialização, portanto não são permitidos dentro da
roda de Capoeira da Regional (Nenel, p.52).
Para
atingir a formatura Mestre Nenel criou as fases em que o aluno passam por
processos de avaliação, são representadas por estrelas. São 5 (cinco) etapas,
ou cinco estrelas, até chegar na graduação da formatura do lenço azul. E depois
o aluno formado e graduado ingressa no curso de especialização I (lenço
vermelho). E, posteriormente, no curso de especialização II (lenço Amarelo).
Na Capoeira Regional as estrelas e os lenços
são as formas de avaliar e de se graduar dentro de um sistema acadêmico e sua metodologia
seguindo uma lógica de ensino e graduação dentro da Filhos de Bimba Escola de
Capoeira (FBEC):
“Como
uma reverência aos valentões de rua, que usavam lenços de seda no pescoço como
proteção, na Regional usa-se lenços em cerimônias, como homenagem ao seu
percurso dentro dessa metodologia” (Nenel, p. 36).
De
acordo com Dr. Decânio:
“...
no estilo Regional, havíamos adotado os lenços de colorações diversas, para
mostrar a graduação, dos nossos atletas, instrutores e mestres, fundamentados
em argumentos históricos, segundo a tradição, os antigos capoeiristas usavam no
pescoço um lenço grande de seda natural marca Leão! Instrumento de defesa
contra a navalha, muito empregada nas brigas de rua, na ocasião da formatura os
atletas recebiam um lenço azul” (Decânio, p.181).
As
estrelas foram incorporadas em lugar dos cordões pela FBEC, ajuntamentos com os
lenços, são 5 estrelas até chegar a formação do lenço azul: primeira estrela,
segunda estrela, terceira estrela, quarta estrela e quinta estrela. Depois a
formatura e especialização:
Lenço
Azul- Formandos e Instrutores
Lenço
Vermelho – Especialização I
Lenço
Amarelo – Especialização II
Lenço
Branco – Mestrando
Lenço
Branco é caracterizado pelo “signo de São Salomão” e se estiver bordado nos
cantos na cor verde, o mestrando é versado em canto e que demonstra habilidades
em instrumentos musicais e cânticos. Essa é a graduação máxima da Capoeira
Regional, para poucos dentro do universo acadêmico Regional, muito raro.
Para
ser mestre em Capoeira, é preciso dominar a arte da luta e do domínio da
musicalidade, aptidão nos instrumentos musicais da Regional, em especial o
berimbau. Ser mestre não é apenas um “cargo” ou um “título”, dado a uma pessoa,
ou simplesmente feito por meio de um exame ou a uma prova. Mas é um ato de
respeitabilidade, conquistado ao longo de um tempo, dentro de uma vida toda
dedicada a Capoeira.
E
também atrelado ao bom caráter, ao respeito e a amizade. Para “ser mestre”
precisa-se formar pessoas em cidadãos. O mestre não se forma em uma academia,
ele torna-se com o tempo. Esse tipo de graduação serve para as instituições e
não para a luta capoeira em si, sendo uma mera formalização social.
Ser
Mestre é ter atitude e postura de Mestre dentro do universo da Capoeira, ser
respeitoso e ter boa fama. E principalmente ter o reconhecimento da comunidade
aonde é morador. Mestre Bimba foi considerado um líder comunitário com presença
marcante na comunidade aonde morava.
Dentro
desse simbolismo podemos associar o azul como sendo a cor da regional, verde o
aspecto musical signo de: “São Salomão”; configura a sabedoria e inteligência. E
o branco como a pureza e a perfeição do Mestre de Capoeira, não por exame ou
avaliação, mas por reconhecimento por parte da comunidade aonde atua. Isso é o fato
relevante na vida de um Mestre, reconhecimento provindo de seus discípulos e
alunos na arte da Luta Regional Baiana. Exemplo maior são: Mestre Bimba e seu
filho Mestre Nenel.
É
bom lembrarmos que essa graduação foi com certeza influência dos alunos de
medicina e dos colégios militares de Salvador, na Bahia. Durante a vivência com
Mestre Bimba contribuíram para construir um caminho (metodologia). Ao qual
Mestre Bimba adotaria dentro da Regional. Assim houve uma formalização de graduação
seguindo modelo acadêmico, isso é inovador.
Tenho
também que relatar aqui que a Capoeira Regional tem os seus princípios o que se
difere dos demais estilos, como também forma dos cânticos e ritmos que são exclusivos
da Regional.
Esses
são os princípios básicos da Regional:
·
“Gingar
sempre;
·
Esquivar
sempre;
·
Jogar
sempre próximo ao parceiro;
·
Todos
movimentos devem ter objetivos;
·
Conservar
no mínimo uma base ao solo;
·
Obedecer
ao ritmo do berimbau;
·
Respeitar
as guardas vencidas;
·
Zelar
pela integridade física e moral do camarada” (Nenel, p. 47).
Lembrando que o respeito é base dos princípios da Regional.
Um aluno mais velho que está mais apto e com uma agilidade melhor, jamais vai
se aproveitar da fraqueza do aluno mais novo com pouca habilidade. Terá uma
atitude que visa sempre preservar e salvaguardar a integridade do educando
mais novo. Esses princípios são os elementos que educa para ser cidadão e
formam na Capoeira Regional.
A demais gingar sempre e nunca ficar
parado e sempre próximo ao seu parceiro num jogo encaixado. Mantendo a
objetividade do golpes e dos movimentos
respeitando os toques do berimbau. Sempre mantendo a base na ginga e nos
movimentos.
E sempre com os ouvidos atento aos
toques do berimbau e obedecendo seus ritmos e a sua melodia. Respeitando as
limitações do próximo e suas guardas vencidas e zelando pela integridade física
do seu oponente. Assim o aluno mais novo aprende a se defender, a atacar e cair
no chão sem medo e traumas.
Sobre as tradições a cadeira, ou como
Decânio expressa: “uma velha cadeira”; faz parte da metodologia.
O próprio Bimba utilizava uma cadeira de madeira antiga para trabalhar com seus
alunos para o exame de admissão.
Sempre após ensinar a base da ginga,
Bimba a ensinava pegando na mãos dos alunos. E posteriormente, Mestre Bimba,
pegava a cadeira e propunha ao aluno que fizesse duas vezes com as duas pernas:
meia-lua de frente, armada e meia-lua de compasso. Esses movimentos permitiam o
aluno a aprender e ir criando a noção de distância e de altura na cadeira.
Nesse momento que Bimba corrigia o aluno
e o ensinava na cadeira. E era também a mesma que ele usava para descansar e
trabalhar na sua oficina. No caso podemos também realizar a sequência do Mestre
Bimba na mesma cadeira em casa mantendo a base do seu ensino (Nenel, p.53).
Outro traço que diferencia a Regional de
outros estilos de capoeira é formação da
sua orquestra nas rodas da Regional é a charanga: um berimbau e dois pandeiros. Que é
acompanhada com as palmas dos alunos e o couro e refrões das quadras e dos
corridos. As palmas são sempre três: “a palma de Bimba é um, dois, três!”.
Uma orquestra reduzida e afinada de alta
qualidade de bons tocadores. Sendo o berimbau o mais importante o que dá o
ritmo e tônica do jogo, depois os 2 (dois) pandeiros que são seguidos das
palmas. E depois a cantoria, disso depende a harmonia e a boa energia, segundo
Mestre Nenel: “o berimbau segue o cantador, os pandeiros seguem o berimbau e
as palmas seguem os pandeiros” (p.54).
A música determina o jogo: o seu gestual
e os seus movimentos dentro de uma roda de Capoeira. E modo de se expressar no
seu gingado é individual. Sendo isso gerado dentro do ser (nível subconsciente e inconsciente) que expressa a sua vontade instantânea e espontânea.
Também é um ato coletivo que não
pertence unicamente a um praticante ou educando, mas no complexo de dois seres
dentro da roda e dos demais que estão em volta: a orquestra e os alunos nas
palmas e no couro. Que sob a regência musical atuam num processo que culmina na
fusão do jogo, mandigado ou negaciado dos lutadores ou educandos.
Ambos vão se conectam passando a se
conhecerem, de algum modo, no estado atual do outro, numa comunicação que
transcende o atemporal e anespacial. Uma integração em nível espiritual, até
mesmo metafísico.
Cujas vontades se contrapõem, ocorre um
fenômeno de percepção direta, uma antevisão do comportamento do outro, ou seja,
a leitura do jogo que antecipa e conhece sabendo o que outro vai fazer.
De acordo com o Decânio, na arte
japonesa, existe a noção da existência do
domínio da arte marcial que é “dô”- caminho; e o “ju”-
aprendizado da suavidade.
Desse encontro de energias
multidimensionais e multivibracionais. Ao qual encontramos na Física Moderna.
Efeito esse provocado pela união surreal do coro, das palmas, do berimbau, dos
pandeiros e da voz do cantador gerando um gigantesco amplificador das vibrações
dentro da roda de capoeira. Esse
movimento que é formado por um imenso campo energético, que envolve os
capoeiras e que reflete a energia da roda.
Produzindo uma atmosfera uníssona e na
integração de um só espírito: entre o canto em coro, a sintonia das palmas e o
ritmo melódico do berimbau e voz do cantador, causando um êxtase supremo: a
roda de Capoeira. Uma consciência global num transe coletivo que vai
alcançando pela cadência vibratória e harmônica do canto e toque. A Capoeira é
transpessoal. Ela é metafísica e é fruto da sabedoria africana ancestral
(Decânio, p.146-147).
Antever os movimentos do jogo dentro da
roda de Capoeira revela que aluno vem amadurecendo seu jogo, chamamos isso de “mandiga
ou negaça”. O sentido literal da negaça no dicionário é: atrativo,
burla, chamariz , drible, engano, engodo, escapatória , finta, fosquinha, isca,
logro e sedução. Observe quantos sinônimos achamos dentro dessa palavra “negaça”,
tendo um significado semelhante ou idêntico pertencem à uma mesma categoria
gramatical. Mas, quando o formando ou aluno, adquiri esse malícia no jogo está
apto a fazer um jogo cadenciado e a fugir e se esquivar na hora certa, ante prevendo o golpe do seu adversário. O jogo fica mais harmonioso, costurado,
negaciado e mandigado. É um jogo de
dentro bonito de se ver, sem violência e sem golpes ou defesas que não tenham
objetividade.
Dentro dos estilos musicais as quadras e
corridos da Regional que se diferem das ladainhas do estilo Angola. As quadras são
compostas de quatro estrofes e versos. E os corridos são estrofes curtas e com
refrãos repetitivos, normalmente que são usados nos ritmos do berimbau como o
São Bento Grande, Banguela e Iúna. Citamos aqui dois exemplos de uma quadra e
um corrido de autoria do Mestre Mascote:
Nome
Bimba é de doutor (bis)
Manoel
dos Reis Machado
Ele
foi um inventor, apesar de iletrado
Invenção
fenomenal, fundiu batuque e a primitiva
Criando
a Regional
Ela
deu a volta ao mundo
Hoje a
Bahia é mundial, camará
Água
de beber
Era
bimba quem batia o Machado (bis)
Coro:
Lenha na fogueira
Desce
a lenha
Coro:
Lenha na fogueira
Corta
a lenha
Coro:
Lenha na fogueira
Na Regional diferente do ritimo angola
temos a Banguela, se faz confusão com Benguela. Mesmo Mestre Bimba não sabendo
ler e escrever. Ele sabia muito bem e dizia que o nome certo do toque é
Banguela.
Temos também a Idalina, e a Idalina compassada, a Cavalaria, a Amazonas,
a Santa Maria, o Samango, o São Bento Pequeno. O São Bento Pequeno, foi recém
resgato pelo Mestre Nenel. A sua execução é exatamente o contrário das notas e
batidas do São Bento Grande, Mestre Nenel, que recuperou com contribuição e os
testemunhos de Decânio, Edinho e Piloto que afirmavam a existência desse toque.
E quanto a origem do hino da Regional,
que de acordo com Dr, Decânio:
“... os primeiros
alunos brancos de Bimba, eram uns tremendos gozadores, característica dos
estudantes daquela época!.. uma galera cheia de amantes da vida ébrios de
liberdade [e] devotados à gozação, como conduta e religião!.. naquele tempo
Bimba executava por brincadeira, por chicana, para exibir sua qualidades
musicais, pura sacanagem, uma rapsódia monocórdica, apropriada para o exercício
musical, imprópria para o jogo de capoeira, adequada para a chicana, que
Cisnando, por molecagem, apelidou – hino da Capoeira” (Decânio, p.42).
Esses rapazes brancos que faziam seus
graçejos, faziam parte da elite estudante da época, da classe dominante, e
faziam da gozação e da chicana usando esse recurso para diferenciar o estilo
Regional dos catadores de dinheiro com a boca da capoeira Angola. E o
hino surge justamente dessa brincadeira
“... panha laranja no
chão ticu-ticu, meu amô vai s’imbora eu não ficu, minha tualha di renda di
bicu, botei prá secá, caiu nu pinicu! [apanha a laranja no chão tico-tico, meu
amor vai se embora eu não fico, minha toalha de renda de bico, botei pra secar,
caiu no pinico]” (Decânio, p.42-43)
São
as anedotas da vida e a malícia da Capoeira. O próprio hino da Capoeira
Regional nasce de uma gozação, mas é um símbolo de respeito, veneração e
tradição dentro da Regional. Numa sacanagem amolecada, o próprio Mestre Bimba
numa filmagem em VHS, declara como ser esse o Hino da Capoeira Regional (Nenel,
p. 63).
Apesar
que a existência de fundamentos e de princípios dentro da Regional. A luta não
é fechada, mas uma luta aberta, e que está em constante evolução. Mesmo que
seja mantida as bases tradicionais: fundamentos, tradições e princípios. Ela
nos permite que seus praticantes se municiem com a liberdade de expressão. E cada
aluno ou praticante tenha seu estilo próprio.
Mais é preciso que entendemos que essa
liberdade da Regional que existe para que o educador tenha um caminho e um
método, e não se perca. Mas a forma de jogar e de se expressar livremente, sem
preconceitos é típico da Regional que deixa esse caráter libertador para cada
aluno encontrar sua modo mais confortável e seguro de aprender e praticá-la.
Essa
ideia foge da padronização ou estilização da Regional. Este pensamento permeia
a mentalidade de muitos na capoeira, não existe um modo de padronização do jogo
ou da forma de se expressar. Muitos capoeiras que confundem a Regional como uma
capoeira padronizada, isso não é verdade, cada aluno dentro da Regional tem seu
estilo e modo de gingar a ser desenvolvido. E nem a velocidade do jogo define a
Regional, em seu ritmo clássico do São Bento Grande, chamado de modo errôneo
São Bento de Mestre Bimba.
Não
é a velocidade do jogo que define a Regional e sim a obediência aos toques do
berimbau que está dentro dos princípios da capoeira ao qual Mestre Bimba
primava como “regra de ouro”. O que importa no jogo não é a velocidade ou o
desenho dos movimentos. Mas, sim: “respeitar e obedecer” ao ritmo do
berimbau (Nenel, p. 40-41).
Eventos
importantes estabeleceram a transformação da Capoeira Regional dentro do
cenário de seu reconhecimento e desenvolvimento, a criação da Fundação Mestre
Bimba (FUMEB) idealizada pelo inesquecível Fred Abreu, que por incentivo e
muitos “puxões de orelhas que abriu
os olhos” de Mestre Nenel sobre o Legado de Bimba. E o resgate
e a preservação da memória da Capoeira Regional que em grande parte do crédito
do trabalho da Filhos de Bimba Escola de Capoeira (FBEC) parte de Mestre Nenel.
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Projeto Capoerê- crianças são futuro do Legado de Bimba |
Essa
evolução e reconhecimento permite a idealização do projeto social: Capoerê; que
começam a ser colocados em prática na década de 90 e servem de instrumento da formação de crianças
e adolescentes em cidadão ativos e conscientes (Nenel, p. 7-8).